Reforma administrativa: mais um terreno da cegueira brasileira.

Na última semana, as redes sociais foram tomadas com as notícias de que a equipe econômica do Governo Federal entregou no dia 03/09, ao Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20, que trata da Reforma Administrativa. Intitulada pelo governo de PEC da “Nova Administração Pública”, nada mais se trata do que uma tentativa de acabar com o maior patrimônio do Estado brasileiro: seus servidores públicos.

Muitas são as falácias, entre elas os privilégios, altos salários em comparação com o setor privado, baixas eficiência, eficácia, produtividade e qualidade na prestação dos serviços à população. Acusa a todos de “parasitas” e como tais, devemos perder a estabilidade, com exceção dos servidores dos poderes legislativo e judiciário, militares, e os de carreiras típicas de Estado, que estão fora da reforma.

O que não se diz é que isso reforça a apartação entre os servidores públicos, aqueles de elite, ilustrados pela meritocracia, dos outros simples mortais, que fazem girar a engrenagem do país. Afinal, somos nós que educamos seus filhos, cuidamos da saúde e segurança da população, entre tantas outras políticas públicas.

A Reforma Administrativa oferta uma solução cruel e pouco efetiva para um problema que nem sequer deixa claro. Oferece como saída para a nação o fim dos concursos públicos, revisão dos estágios probatórios, limitação das férias, e mais grave, impõe riscos de descontinuidade das ações e serviços prestados à população, portanto, da diminuição dos direitos de cidadania e presença do Estado na vida das pessoas.

Se o argumento maior para a Reforma Administrativa é o fim da estabilidade, vale recordar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, assegurou a proteção dos servidores públicos de governos e seus gestores de plantão à perseguição e ou assédio que limitasse ou inibisse a autonomia e liberdade em exercer suas funções para as quais o Estado os contratou. Ou seja, uma conquista democrática, e não uma subordinação à discricionalidade do poder político desavisado, muito menos o reforço de preservação cultural dos poderes patrimonialistas e hereditários. A regra não deve ser a indicação política partidária de cargos, mas sim a inserção por concurso público, Regime Jurídico Único e profissionalização dos agentes de Estado.

Se o antigo argumento utilizado para justificar as reformas trabalhista, previdenciária e agora administrativa de ajuste fiscal era a economia aos cofres públicos, vale recordar que essa linha separa as duas lógicas de ação do Estado. Por um lado, o Estado Liberal, que desde o fim da II Guerra Mundial prioriza o imperativo econômico, em detrimento à solidariedade. Por outro, o Estado Social, cujo modelo de intervenção se assenta na noção de “cidadania plena”, em que o imperativo da estabilidade econômica se associa intimamente a imperativos de justiça social e de legitimidade da democracia. Logo, não haverá um Estado forte e protetor dos servidores públicos com diferentes regras de estabilidade, vínculos e contratos de duração indeterminados, temporários, livre provimentos, podendo ser demitidos a qualquer hora, por motivações diferenciadas, entre elas, os famigerados cortes de gastos.

O que não me toma de supressa, mas, confesso, me assusta, é o silêncio rotineiro da nossa Universidade de Brasília. Parece que o assunto não nos diz respeito. E lá se vão ladeira abaixo nossos direitos de progressão, férias, aposentadorias justas, e a asseguração de não sermos judicializados ou demitidos por perseguições das mais diferentes ordens das cegueiras dos “donos do poder”, nos dizeres de Raymundo Faoro (1925-2013) em sua obra sexagenária, que ressalta o autoritarismo enraizado na sociedade brasileira. 

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