Brasília hoje estava nublada. As vezes o sol tentava se abrir para deixar seus raios adentrarem a planície. O sol, cedia seu calor à brisa fresca e ao cheiro de terra molhada. Nesse embalo, vi-me em sonho. Estava em outro país?
Lá, uma criança me parou e perguntou: – Qual a importância da educação para a senhora?
Olhei ao redor e vi uma praça verde, muitas árvores, todas muito bem cuidadas; os pássaros pareciam saber todos os recantos daquelas folhagens. Alguns pousaram em um banco ao lado de um casal de pessoas já maduras. Ao brincarem com eles, também demonstravam familiaridade com aqueles territórios e seus amigos habitantes.
Perguntei à menina: – Posso responder caminhando um pouco nessa tão bela praça?
Ela respondeu pegando em minha mão: – Vamos por ali.
Caminhando, nos olhamos e ela insistiu: – Agora a senhora pode me responder, professora?
Pensei como ela sabia que sou professora? Prontamente atendi-a dizendo: – Sua indagação é como perguntar qual o significado da minha própria vida. A educação é constitutiva da minha existência. Venho de uma família que não compreendia esse bem especial para suas vidas. Meus pais moravam em uma pequena cidade e lá, poucos poderiam entender a importância da educação, e mais, o que significava tê-la. Então tive que lutar por mim mesma.
Aproveitei e perguntei-lhe: – Quantos anos tem? – Oito, respondeu ela.
Pensei, em voz alta: – Quando cheguei oficialmente à escola tinha, quase o dobro de sua idade.
Ela parou, olhou fundo em meus olhos, apertou forte minha mão e disse: – Veja esse rio professora, aprendi em minha casa e na escola que ele é nosso e devemos cuidar. Assim, todos que aqui moram cuidam dele e eu tenho um carinho especial por ele… Ali fica minha escola, meus professores, meus livros, e parte de minha vida. Lá, os professores são muito cuidadosos com todos os estudantes. Eles nos escutam, ensinam com toda paciência do mundo. Aprendi que faço parte de uma nova geração, assim como as que me antecederam naquela escola que teve uma formação de qualidade. Minha escola é pública, meus professores foram muito bem formados, também estudaram em escolas públicas, são muito bem reconhecidos e bem remunerados. Vamos conhecer? É só caminhar um pouco. Caminhar faz bem a saúde.
Seguimos juntas até o portal da escola. Meu coração pulou. Pensei: – Como seria minha vida? Não consigo imaginar minha trajetória de professora sem a contribuição do ensino que tive especificamente na área das ciências sociais e das humanidades.
– Seja bem vinda. A voz da menina tirou-me de meus pensamentos.
– Aqui, professora, temos uma biblioteca aberta para nós e para toda a comunidade 24 horas. Aprendemos Inglês, Francês, Espanhol, Latim e Grego. E todas as outras disciplinas, Português, História, Geografia e Literatura. Gosto de todas, mas amo a de Filosofia. A gente aprende a pensar. Melhor, a saber pensar e assim questionar nossa função social no mundo. Aprendemos a desenvolver em nós um espírito crítico, questionador, independente da opção profissional futura. Somos cidadãos que devem seguir cuidando dos valores do nosso país e do nosso planeta. Aprendemos a cuidar de cada árvore, pássaro, rio, dos animais e todo ser vivo.
A escola era linda, ampla, um verdadeiro jardim a céu aberto. Suas paredes brancas se completavam com os coloridos dos trabalhos dos estudantes. Todos assinados pelos professores que, nominalmente, expressavam a beleza daquelas obras de artes. Chorei!
Ela, vendo minha emoção, cuidadosamente, perguntou: – Falei alguma coisa que tenha deixado a senhora triste? – Não, senti saudades de minha escola, respondi.
Subindo para outros andares, as lembranças rodavam minha cabeça. Fiquei tantos anos em um colégio religioso… Como aquela formação me marcou profundamente. Tive contato com os valores das pequenas coisas, aprendi a ver a desigualdade econômica e social entre nós, estudantes. As diferenças de mundo, mas estas não nos separavam, nem mesmo as vindas das personalidades, do modo de ver a vida, pois estávamos juntos na esperança do dia de amanhã… nossas amizades. Saudades das amigas e amigos queridos.
– Professora, veja esse mapa, são nossas escolas espalhadas por todo o país.
Perguntei: – São todas equipadas, iguais a esta? Equipadas educacionalmente? Ela respondeu-me: – O mais importante são as pessoas e suas capacidades em compreenderem o mundo. A parte física, tecnológica é meio professora. – Tomei uma lição!
– Onde estou? Indaguei. Pois vivemos tempos de violência, ódio, intolerância, desigualdade social e econômica, de polarização entre a carência absoluta, das pequenas cidades, das zonas rurais, que caracterizam a periferia, e o privilégio absoluto, no caso das grandes cidades, dos centros do poder econômico e produtores de um saber capitalista, que criam cidades-arquipélagos, reprodutoras das desigualdades entres os homens e mulheres.
– Estou em uma escola pública? Uma escola pública e subversiva? Acordei sem respostas. Essa negatividade precisa ser apreciada à luz do princípio esperança de Bloch (Bloch, 1959, 1961), ou da antologia do “ainda-não-ser”, que é a alma do conceito dialético de utopia: o que existe nunca é tudo que poderia existir; quem não se alimenta da utopia contenta-se com o que existe, acomoda-se na história já feita…
Sigo pensando: – Quem era aquela menina? O que veio me ensinar?
Fechos os olhos, sinto o calor da sua mão na minha …
Lembro que hoje é sábado de Aleluia – caíram os raios sobre mim – ela falava de esperança.
– É Páscoa, ensinou-me. Olhe para o dever-vir.