O fim da Agefis aumenta o mal estar social no DF.

Maria Fátima de Sousa1
Chico Sant’Anna2

Encaminhando-se para os seus 60 anos, Brasília possui desafios que nessas seis décadas não foram nem equacionados nem tiveram arquitetado o planejamento de como agir. O avião veio sendo pilotado de acordo com as condições atmosféricas. E hoje, a terra profetizada por Dom Bosco, de onde jorraria leite e mel, está cada vez mais pauperizada em seus recursos naturais bem como os projetados pela expertise de nossos criadores. Tudo em decorrência de uma volúpia desmedida sobre as terras, sobre os recursos hídricos, sobre a natureza, sobre os cofres públicos, volúpia sobre as políticas públicas.

O Distrito Federal apresenta ainda hoje um crescimento bem maior do que a média nacional. A população candanga cresce a uma taxa de 2,09%, e a do Brasil em apenas 0,77%. É fruto de novos brasilienses, que aqui nasceram, mas também da migração. Todos em busca do leite e do mel, cada vez mais escasso. Resultado, nossa taxa de desemprego beira 320 mil pessoas. Um jovem, em cada quatro, não tem trabalho ou renda.

Os fenômenos decorrentes desse descompasso são visíveis a olho nu. Ícone dessa realidade é o termo já aculturado na terminologia técnica de nosso planejamento urbanístico: ‘puxadinho’. Não são só as invasões irregulares de terra; crescimento do subemprego, em especial camelôs nas ruas, violência em alta, saúde pública em descontrole total.

Tudo fomentando a criação de oportunidades para que o submundo do crime se aproveite dessas precariedades que deveriam ter sido prevenidas por políticas públicas. Áreas ambientais são criminosamente agredidas, moradias se multiplicam no horizonte como se Brasília fosse o bairro da Muzema, no Rio de Janeiro. Ações irregulares também são perpetradas, com ou sem a anuência do GDF, por maus empresários mais preocupados com o lucro imediato, do que uma correta gestão a longo prazo de nossos recursos.

Além da falta de políticas públicas, nos carecem serviços fiscalizadores competentes. Uma entranha de instituições reparte a missão de fiscalizar o transporte público, a ocupação irregular de terras, a construção irregular de imóveis, a degradação do meio ambiente, o uso criminoso dos recursos hídricos.

Os complexos marcos jurídicos só favorecem àquele que vive do mal feito. Se uma guarnição da Polícia Ambiental, por exemplo, se depara com a ocupação irregular de área ambiental, ela se quer pode apreender os tratores que defloram a terra. Cabe ao Detran. A derrubada do que foi feito de ilegal, como os edifícios que sobem aos céus em Vicente Pires, é responsabilidade da Agefis, que também tem que cuidar do camelô que tenta seu sustento diante do desemprego. A responsabilização criminal cabe a Polícia Civil. Na mobilidade urbana, a fiscalização do DER não pode combater o transporte pirata, nem mesmo o legalizado, já que é competência do DFTrans.

Criaram-se feudos fiscalizatórios, quase sempre sem eficiência. O sistema não funciona adequadamente, mas essa máquina fiscalizadora guarda em si a violência opressora dos tempos ditatoriais. Assim, mão de ferro para os pequenos, aqueles que anseiam por uma digna política de habitação/moradia e para os donos do poder, mais uma secretaria.

No lugar de se criar uma política que assegure para o conjunto da sociedade brasiliense a certeza do bem viver, com segurança, coibindo os descaminhos, o GDF opta em criar uma instância sujeita às pressões políticas. A recém criada Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística – em substituição à Agefis – dará espaço para a cobiça política por parte daqueles que defendem a política do laisser faire. De fechar os olhos. Assim como no passado, quando uma secretaria destinada a regularização de condomínios tinha como titular um ocupante irregular de área pública, quem garante que no futuro não serão os grileiros ou os representantes da especulação imobiliária que conduzirão as diretrizes desse tal de “DF Legal”?

Uma secretaria perde a autonomia diante das pressões políticas. Gera espaços para a barganha política e para a dependência dos governantes em relação a seus apoiadores e patrocinadores eleitorais. Transforma o ato fiscalizador em braço opressor dos poderosos contra os mais frágeis. Amplia a desconfiança na população, que passa a acreditar ser impossível a isenção, o compromisso com a proteção dos interesses públicos; e fortalece o sentimento que o ‘jeitinho’ e a troca de favores é o caminho mais eficiente.

Os deputados distritais aprovam, sem estudar as consequências, e apontam ao GDF que precisamos sim de um mecanismo que ultrapasse os governos e que tenha uma cultura técnica da fiscalização em prol da boa gestão dos recursos, em prol do bem estar social. Mas esse mecanismo não pode se transformar numa Gestapo Candanga. Os diversos recursos públicos – humanos e técnicos – devem se somar em prol da eficiência. A descentralização das responsabilidades menores – tais como a autorização e fiscalização de ambulantes – se faz necessária. Instituições como Instituto Brasília Ambiental, Agefis, Polícia Militar Ambiental, Detran, DER-DF, Corpo de Bombeiros devem atuar em sintonia, sem paralelismo de ações. A busca de uma maior capacidade de gestão precisa estar casada com a eliminação da influência político partidário.

Mas nada disso terá êxito sem a adoção de uma clara política de proteção da terra, de nossos mananciais, do planejamento da evolução da ocupação urbana do Distrito Federal, que norteará outras políticas como Saúde e Educação Públicas, Mobilidade Urbana. Precisamos cuidar de nossa cidade. Políticas públicas integradas geram confiança, sustentabilidade e bem estar social, condições de um Estado forte e justo, que ultrapassam governos desprovidos de planejamento estratégico e duradouro.


[1] Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva, ex-diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB, Pós doutorado pela Universidade do Quebec, em Montreal. E-mail: mariafatimasousa@uol.com.br

[2] Jornalista, morador de Brasília desde 1958, membro do Conselho Gestor da Apa Gama Cabeça-do-Veado, presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Córrego do Mato Seco – Amac Park Way.

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