O mundo vive uma pandemia pela Covid-19, o Brasil é o segundo país com mais casos da doença e a linha segue em ascensão. Neste contexto, as mulheres podem ser chamadas de heroínas, guerreiras, batalhadoras, mas a verdade é que a situação demonstra, de maneira ampla, as iniquidades vividas por elas, algumas, inclusive, bem conhecidas por todos(as). E já é passada a hora de não mais romantizar a exploração e as desigualdades as quais nós, mulheres, somos submetidas.
A pandemia tem impactos desproporcionais em nossas vidas devido a causas multifatoriais e revela ainda mais a sistemática violação dos direitos humanos femininos. O relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19”, divulgado este ano pela ONU Mulheres, afirma que, com o distanciamento social, a violência doméstica e o feminicídio aumentaram em todo o mundo. As mulheres estão confinadas com seus agressores e distantes de suas redes de apoio e proteção como amigos(as), familiares, organizações não governamentais. Assim, os riscos sobre nós são cada vez mais elevados.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma a cada três mulheres no mundo sofre violência física ou sexual, na maioria das vezes, praticada por um(a) parceiro(a) íntimo(a). Essa violência tem piorado diante do aumento das taxas de consumo de bebidas alcoólicas e do estresse derivado da insegurança econômica causados pela pandemia.
O regime de home office, nos obriga a equilibrar o trabalho remunerado com as milhares de tarefas das jornadas múltiplas como profissionais, donas de casa e mães que somos – em especial com filhos(as) em casa. Desse modo, temos que nos desdobrar entre diversas atividades como o emprego fora de casa, trabalhos domésticos, cuidado das crianças – incluindo educação escolar, uma vez que as unidades de ensino estão fechadas – e ainda tem o amparo às pessoas idosas das quais ainda muitas de nós são cuidadoras.
Dados do IBGE (2019) apontam que as mulheres dedicam em média 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, na comparação com 10,3 horas semanais gastas nessas atividades pelos homens. O Relatório da ONU aponta que antes da pandemia de infecção pelo coronavírus, desempenhávamos três vezes mais trabalhos não remunerados que os homens, porém, com o distanciamento social e o movimento “fique em casa”, a estimativa é que este número tenha triplicado.
Somente na UnB somos uma maioria de 1648 técnicas administrativas de um total de 3213 técnicos(as) e 1308 professoras, entre os 2867 docentes de toda a Universidade, sem contar com as estudantes e terceirizadas que integram nossa comunidade. Ao observarmos nossa situação no setor saúde, mais uma vez as iniquidades são gritantes.
Somos 70% entre trabalhadores da saúde em todo o mundo, fato que nos expõe a um maior risco de infecção pelo novo coronavírus, afinal, integramos a linha de frente do cuidado profissional sanitário. De acordo com o Perfil da Enfermagem no Brasil, pesquisa realizada em 2015 pelo Conselho Federal de Enfermagem, cerca de 84,7% dos(as) auxiliares e técnicos(as) de enfermagem brasileiros(as) pertencem ao sexo feminino.
Não bastasse todo este contexto, somos maioria na saúde e em vários setores de empregos informais como trabalhadores(as) domésticos(as) e cuidadores(as) de idosos. Dessa maneira, somos as mais afetadas pelos efeitos da pandemia do coronavírus e outras modalidades de adoecimentos sociais. Entre a população idosa, há mais mulheres vivendo sozinhas e com baixos rendimentos. E apesar de sermos maioria em diversos setores, ainda não estão em esferas de poder de decisão na pandemia, pois somos apenas 25% dos(as) parlamentares em todo o mundo e menos de 10% dos chefes de Estado ou Governo.
Ainda não estamos nas estruturas de poder para tomarmos decisões determinadas, assertivas, corajosas, a exemplo da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern. Nesse tempo de pandemia e em outros momentos da vida pública e privada, as iniquidades que nos assolam só aumentam nossas dores. As mulheres no poder fazem a diferença em todos os tempos, sobretudo em tempos de pandemia. Isso não é para romantizar, e sim para agir, com consciência sociopolítica e cultural, rumo à superação das iniquidades em nossas vidas, como nos ensina a jovem paquistanesa Nobel da Paz, Malala Yousafzai, que este mês anunciou ao mundo, via rede social, sua formatura na faculdade de Filosofia, Política e Economia da Universidade de Oxford. Nosso maior desafio à superação das desigualdades de gênero, de raça e classe reside na construção da práxis contra hegemônica pela educação.