Nós, mulheres filhas da REDEMOCRATIZAÇÃO, não podemos esquecer desta nossa maior e poderosa aliada nas históricas lutas e conquistas, fruto das vozes firmes de várias gerações que vem, desde as batalhas épicas, por nossos direitos.
Direitos que circunscrevem desde o poder de votar e ser votada, de escolher livremente a quem amar e ser amada, de se divorciar, inserir-se no mercado do trabalho (ainda que precarizado, com salários menores por funções semelhantes aos dos homens), de ser educadoras e se educar mutuamente em comunhão (como afirma Paulo Freire), e mais recentemente, as cotas eleitorais, que apontam para o acréscimo do número de representantes eleitas em meio ao mundo político, até então dominado por homens.
Sim, a real democracia. É ela que nos assegura a liberdade de expressão, de participação, de permitir que nossas ideias, interesses, necessidades, expectativas, e, sobretudo, que nossos direitos sejam inalienáveis, parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais. Esses, reconhecidos desde 1945 na Carta da ONU e reafirmados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Logo, pontos iluminados nos patamares civilizatórios no horizonte da plena cidadania feminina.
A democracia real é ponto de partida e não pode ser mutilada, nem interrompida, para que possamos caminhar entre décadas e séculos, envolvendo multiplicidades de GENTE, nas complexas estruturas de saber e de poder, marcando nossos processos organizativos e preanunciando a lua e as estrelas que temos um lugar em primazia no universo na tarefa global pela igualdade de gênero. Afinal, é no exercício permanente da democracia, em profundidade, que tamanha empreitada faz toda a diferença.
É na democracia que temos abertura para dizer todos os dias, não sou uma grande mulher, sou uma garota na busca incansável para tornar-me uma mulher. Assim, nascer nessa condição, não é suficiente. É preciso se construir em cada pausa, vírgula das palavras entrecortadas, nos gestos simbólicos, nos afagos dos animais, no cantinho dos pássaros, no farfalhar das folhas nas árvores, e mais, nos atos firmes e nas práticas, coerências, estações a estações, chuva a chuva, sereno a sereno, em fortes suspiros na teia da teimosa utopia.
Uma teimosia que NÃO suporta ficar sem respostas às perguntas: Por que os muros das instituições e dos poderes-espaços do Estado estão tão surdos, esconsos, ocultos, secretos diante das violências contra as mulheres, dos descasos com suas mortes, com a insensibilidade perante suas dores. A dor de não poder educar seus filhos nas escolas públicas, de não ter a quem recorrer na escuridão da medicalização impostas as suas vidas. As dores em não poder alimentar de forma adequada, segura e sustentável as suas famílias, de não poder transitar, canto a canto dessa cidade dita da esperança, por falta de segurança e transporte.
Sem resposta, sem referência, nas dores por não ter acesso ao emprego, trabalho, renda, acesso e posse da terra, habitação, cultura, esporte e lazer, muito menos a um ecossistema verde e saudável. Portanto, persistiremos nas lutas pela disputa do orçamento público, das riquezas produzidas pelas trabalhadoras(es) do pais, por um lado; por outro, não vamos deixar passar nenhuma atitude machista ou racista que reforce a cultura colonialista, patriarcal do Estado, sociedade e governos descompromissados com as causas das mulheres.
Basta olhar no tempo e nos lugares, para percebermos que quase 32 anos depois de conquistarmos o Estado democrático de direito, e vermos que ainda somos criminalizadas em nossa dignidade quando perdemos o poder de decidir sobre nossos próprios corpos, ou quando ainda não conseguirmos ser o que podemos e devemos ser. No silêncio, omissão ou inverdades, o Estado e as instituições jurídico-políticas que deveriam nos proteger, perdem suas grandezas enquanto nação civilizada.
Perdem, porque juntam-se àqueles que não sabem cuidar de flores que brotam do asfalto, insistem em negar que suas pétalas têm cores, aromas, se abrem, e são lindas, mesmo que seus nomes não estejam ‘patenteados’ em livros. É uma flor. Furou o asfalto. Por isso necessita ser banhada com água cristalina para retirar, de vez, as cinzas, a poeira do ódio e as crateras das violências consentidas.
Por todas essas dores, e pela defesa incondicional da democracia real e substantiva, irmãs sentinelas, andemos pelas ruas, avenidas, praças, sobre a bênção do céu de Brasília e a proteção das almas de Mary Wollstonecraft (1759-1797), Elizabeth Cady Stanton (1815-1902); Susan Anthony (1820-1906), Dandara (-1694), Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), Nísia Floresta(1810- 1885), Patrícia Galvão-Pagu (1910-1962), Virginia Woolf (1882-1941), Simone de Beauvoir (1908-1986), Bertha Lutz (1894-1976), Rose Marie Muraro (1930-2014 ), Frida Kahlo (1907-1954), Laudelina de Campos Melo (1904-1991), Fernanda Benvenutty (1962-2020), Marielle Franco (1979-2018)… em nome delas, e em nossos nomes, seguiremos salvaguardando os direitos humanos, como valor superior à construção da cidadania plena.
Violações, Mortes, dores…? NUNCA MAIS, DEMOCRACIA SEMPRE!