A saga da Enfermagem brasileira pela dignidade salarial

Mais uma “pegadinha” do Supremo Tribunal Federal (STF) surpreende a enfermagem brasileira. Como se não bastassem os entraves sobre a viabilidade de financiamento, que deixou a categoria indignada ao se deparar com a suspensão do piso salarial pelo STF, agora, mais um ministro pede vistas ao processo e suspende novamente a votação. Exigimos ações imediatas do Governo e do Congresso, pois eles não podem ignorar a intervenção da Corte. Não é moralmente correto, pedir que a enfermagem espere pela conquista dos seus direitos.

Os meses nas ruas e com o “pires na mão” pelos corredores do Congresso Nacional para termos conquistado a aprovação do PL nº 2.564/2020 nas duas casas legislativas, pressionado pela sanção presidencial, e começando a fazer frente aos patrões que se recusavam a adequar o pagamento à nova lei nº 14.434/2022 (que estabelece o piso salarial de enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem e parteiras) estão saindo “mais caros”, quando abalam nossa saúde mental, diante do “vai e vem” do judiciário, frente à dignidade salarial de mais de 2 milhões de profissionais, em sua maioria mulheres e pessoas negras. Refiro-me à principal categoria profissional presente nos 5.570 municípios em todo o país e que, mais recentemente, durante a pandemia de Covid-19, foi e continua sendo responsável pelo cuidado integral à saúde dos indivíduos, famílias e comunidades.

Entre pedidos de vista por ministro do STF, morosidade na transferência de recursos pelos órgãos competentes, assédio moral e desvios de função por parte das empresas de saúde, a enfermagem segue em mais de cinco décadas de espera. Uma categoria que progrediu substancialmente quanto à auto compreensão enquanto parte da classe trabalhadora por meio da experiência ativa da luta trabalhista; saiu às ruas em um momento em que nenhum outro segmento da classe trabalhadora poderia fazê-lo; e demonstrou avanço na consciência coletiva e na capacidade de mobilização que ainda segue sob a égide da mercantilização da saúde, da precarização do trabalho e do recrudescimento da exploração.

Dentre os questionamentos legítimos, a resposta se encontra no próprio cotidiano do trabalho da enfermagem brasileira: a negativa ao direito conquistado, à dignidade financeira e ao respeito à luta histórica de uma categoria gigante não apenas em número, mas em substância. Estamos em todos os lugares, desde a formação profissional, pesquisas avançadas e cuidados à saúde das pessoas nos mais complexos e diversos municípios do país. Estamos também nos cenários políticos, para modificar a ordem estabelecida no modo de nos representar.

Não nos queiram ingênuos. Sabemos que o questionamento sobre a viabilidade do financiamento do piso salarial foi mero disfarce das instituições democráticas, estas que deveriam nos proteger, e que atendem às negociatas que beneficiam o empresariado da saúde, interessado na precarização dos processos de trabalho do corpo da Enfermagem. Afinal, as condições indignas impostas à categoria são moedas fortes do histórico enriquecimento do setor privado da saúde.

O que se segue estabelece um ciclo de aparência infinda, mesmo diante da Emenda Constitucional 127, aprovada em 2022, que estabelece a prestação de assistência financeira complementar, por parte da União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às entidades filantrópicas; e aos prestadores de serviços firmados que atendam, no mínimo, 60% (sessenta por cento) de seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS); e da aprovação do PLN 05/2023, que que abre, em caráter especial, crédito orçamentário para o pagamento do Piso Salarial da Enfermagem.

Chegamos a acreditar que, diante dos fatos, finalmente teríamos conquistado os direitos que nos são devidos. Mais que merecimentos de flores, palmas e outras homenagens, trata-se de justiça com a maior força de trabalho do SUS. Se o Estado-governo prometeu e não cumpriu até o presente, não vamos assumir esta “derrota”, por isso, exigimos nossos direitos inalienáveis. Esperar? Até quando? Se a dignidade salarial ainda não é a realidade da Enfermagem brasileira? Voltemos às ruas.

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