O que aprendi, no mundo real, sobre o que é soberania nacional

Em todos os países, a saúde pública vive em altos e baixos que ceifam vidas. Em nossa Terra Brasilis, não é diferente. Aqui, nossas esperanças em cumprir o dever constitucional de cuidar do povo ainda seguem frágeis e adoecidas. Nesse cenário, o Hospital Universitário de Brasília (HUB) segue erguido como um ponto de luz na capital da República, um dos poucos capaz de socorrer, ouvir e se importar com as dores e lágrimas que correm no rosto da nossa gente.

Sei o que é isso. Minha mãe, migrante do alto sertão foi para São Paulo, morreu na porta de um hospital, sem atendimento, mesmo tendo dedicado sua vida à criação do Centro de Saúde do Valo Velho, em Itapecerica da Serra/SP, que hoje leva seu nome. Mulher de fibra, alfabetizou-se aos 64 anos, para não ter cerimônia em não poder assinar seu termo de posse como conselheira municipal de saúde. Nunca se curvou à seca, à pobreza ou à desumanidade que tantas vezes marcou sua vida na condição de empregada doméstica na casa da elite paulistana. Foi com ela que aprendi a nunca desistir, nem me curvar diante das atrocidades que o mundo do capitalismo nos impõe, entre elas, famílias que se separam em nome da sobrevivência.

Assim, a vida me levou para um colégio interno e dele herdei a lição de que o berço econômico, social ou político não pode limitar os horizontes de quem não desiste da vida. E assim cheguei à universidade, tornei-me professora Titular da Universidade de Brasília e Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal da Paraíba, o mesmo estado que não permitiu a minha mãe por lá sobreviver.

O fato de somente eu, entre quatro irmãos, ter estudado, não é meritocracia. Tive formação escolar e acadêmica em instituições públicas, escolhi servir ao público e hoje, passados 35 anos em Brasília, a cidade que meu pai ajudou a construir antes de seguir para São Paulo, estou à frente do Hospital da Universidade de Brasília, que em seus 53 anos reafirma sua visão de futuro: “Ser hospital de ensino que busca a excelência, promovendo a humanização, a inovação e o desenvolvimento tecnológico, com responsabilidade social e atuação em rede.” Essa missão traduz o compromisso de transformarmos ciência em cuidado, pesquisa em esperança, tecnologia em dignidade, inovação em oportunidade.

 Estamos prontos para colocarmos a serviço do povo a ciência que brota das salas de aula, que passam por laboratórios de ponta, com mentes valiosas e reconhecidas nacional e internacionalmente. Nos tornamos referência em ensino, pesquisa, extensão, inovação e assistência. Na pandemia, fomos farol em meio à tempestade, abrindo leitos, treinando equipes, cuidando dos nossos e dos que vinham de longe. Somos o Hospital Amigo da Criança e disponibilizamos 79 consultórios, 66 leitos e UTI pediátrica na Unidade da Criança e do Adolescente (UCA); somos referência em implante coclear; o único do DF em transplante de medula óssea em adultos. Na nefrologia, o HUB é referência em diálise contínua em beira de leito e em procedimentos de hemodinâmica.

Este ano, comemoramos o primeiro transplante autólogo de medula óssea adulto pelo SUS no DF e o 500º transplante renal. E em rede com os 45 hospitais universitários do país, dentro do projeto EBSERH em Ação e com o Programa Agora tem Especialistas, do Ministério da Saúde, seguimos trabalhando para reduzir o tempo de espera por atendimentos especializados no SUS, ampliando o acesso da população a consultas, exames e cirurgias, e fortalecer a formação de novos especialistas, especialmente em áreas prioritárias como oncologia, com foco na prevenção do câncer de mama e de útero, sempre em articulação com a SES/DF, porque o HUB é parte da rede integrada do SUS.

Ainda assim é preciso lembrar que hospitais universitários não sobrevivem apenas de vocação. Exigem investimento permanente, decisões políticas firmes e a compreensão de que saúde, ciência, educação e a inovação não são gastos, mas investimentos estratégicos para a soberania do país. O Hospital Universitário da UnB é uma árvore plantada lá em 1972. Ao longo desses anos, regamos suas raízes com trabalho, ciência e solidariedade. Ela cresceu, abriu galhos, deu frutos. Agora, nos cabe garantir que continue como um patrimônio nacional da educação e da saúde.

Soberania nacional é isso: garantir que cada pessoa tenha o direito de viver sem medo de que a porta de um hospital público se feche diante de sua dor. É assegurar que nossos hospitais universitários – territórios de ciência, de formação e de inovação – sigam pertencendo ao povo, como bem inalienável do SUS e da democracia.

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