Precisamos entender o futuro dos jovens

Enfermeira sanitarista, professora associada do Departamento de Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília. Doutora honoris causa pela Universidade Federal da Paraíba e pós-doutora pela Université du Québec à Montréal

Durante a última semana, diversos jornais deram destaque à pesquisa realizada em parceria pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo Instituto de Estudo e Pesquisa (Insper), conduzida pelos professores Luciano Salomão e Naercio Menezes Filho, e publicada no final de fevereiro, que demonstrou, estatisticamente, os efeitos positivos da educação em municípios brasileiros.

Os pesquisadores criaram um indicador de qualidade do ensino, denominado Ideb-Enem, construído pela integração de dois tipos de dados: (1) a porcentagem de alunos que se matriculam no 1º ano do ensino fundamental na idade ideal (6/7 anos) e conseguem completar o ensino médio dez anos depois; e (2) a nota média desses alunos no Enem.

Eles investigaram as relações da variação desse indicador nos municípios entre 2009 e 2019 com outros três aspectos: as mudanças do número de homicídios, do número de matrículas no ensino superior e do número de novos empregos.

Entre os resultados mais interessantes está a confirmação de que a quantidade de jovens que prestou o Enem aumentou entre 2009 e 2016, mas depois declinou até 2019. O novo indicador Ideb-Enem aumentou entre 2009 e 2014 em todas as regiões.

O mais impressionante, entretanto, é a demonstração matemática de que o crescimento de um ponto no Ideb-Enem esteve associado a uma diminuição de 25% nos homicídios, um aumento de 15% nas matrículas em cursos superiores e um notável aumento de 200% na geração de empregos.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, nos últimos 20 anos, a educação brasileira vinha passando por uma significativa transformação positiva de investimento em educação, que variou de 3,8% do PIB, em 1994, a 5,6% em 2014. Um estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB/UERJ) demonstrou que os investimentos em educação e ciência do governo Bolsonaro nos três últimos anos foram os mais baixos no Brasil desde o ano 2000. O Ministério da Educação (MEC) tem este ano um pequeno aumento para R$ 3,45 bilhões em investimentos, valor muito aquém do apresentado entre 2009 e 2015, que variou de R$10 bilhões a R$ 20 bilhões.

Por isso, nosso primeiro desafio é conseguir um orçamento digno para os investimentos em educação. Um grande esforço político precisará ser feito ante a nova Câmara Federal para dobrar a porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) investido, atualmente na casa dos 3,5%, visando aproximá-lo dos valores investidos por países com os melhores resultados em educação.

Essa mudança orçamentária tornaria possível o cumprimento da meta de universalização do ensino médio presente em nossa Constituição; facilitaria, por exemplo, a integração prevista na lei do ensino municipal e estadual, compondo uma espécie de Sistema Único da Educação. Permitiria também mais investimentos na formação e na remuneração dos docentes, com a criação de um plano de carreira nacional para o ensino fundamental e o médio.

Entretanto, os desafios não se resumem à questão orçamentária. A realidade da educação tem causas, sobretudo, estruturais, e o enfrentamento de questões estruturais só pode ser feito com base em decisões políticas social e cientificamente orientadas. As pastas ministeriais e das diversas secretarias de Educação nas três esferas de governo têm sido ocupadas repetidamente por pessoas leigas, que pouco ou nada conhecem de pedagogia e sistemas educacionais.

Daí, a necessidade de revigorar os conselhos de educação, que, como as demais instâncias de controle social, foram esvaziados pelo atual governo, quando não simplesmente dissolvidos. Isso inclui uma mais ampla garantia de retomada das políticas compensatórias de ingresso nas universidades e nos institutos federais.

Outro desafio a ser mais profundamente discutido com a sociedade é o fato de existir uma descentralização da operacionalização da educação, que permite a diversificação dos processos de ensino-aprendizagem, mas uma centralização da avaliação, que desconsidera os contextos. Permanecem também a questão da “promoção automática” no ensino fundamental, independentemente do desempenho, e a da criação e difusão, em todo o território nacional, de escolas públicas de tempo integral, que, comprovadamente, protegem as crianças contra ambientes de violência e abuso domiciliar, e melhoram o desempenho escolar.

As eleições de 2022 poderão ser um divisor de águas para uma governança da educação nacional, de forma que possamos nos próximos cinco anos discutir dados ainda mais impressionantes que os alcançados pela pesquisa da USP/Insper e, assim, contribuir para uma sociedade em que a esperança continue a habitar o coração da juventude.

Fonte: Correio Braziliense

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