Os desafios da saúde no DF: para além das ações emergenciais

Por Maria Fátima de Sousa

O Distrito Federal é a unidade da federação mais desigual, segundo o IBGE (2010). Desigualdade vista a céu aberto em suas diferentes expressões, desde os altos índices de violência urbana, desemprego, ausências de efetivas políticas públicas de segurança, habitação, transporte, alimentação e nutrição (seguras e adequadas), educação, proteção ao meio ambiente, cultura, lazer, e acesso e posse de terras públicas.

Esse mosaico de miséria se amplia quando os primeiros sinais dos governos rumam para reafirmação de uma cultura política populista. A ela se adicionam velhas práticas de moeda de troca em nome da governabilidade. Tudo isso faz muito mal à saúde pública, que, historicamente, sofre de privatizações por dentro e por fora. Por dentro, quando os próprios governantes incentivam a compra de planos de “saúde”. Por fora quando entrega sua responsabilidade de gerir o SUS a terceiros. Ambos evidenciam a falta de confiança em seu próprio trabalho (aquilo que faço não serve para mim), e a consequente instalação do caos na rede dos serviços públicos de saúde, acendendo às luzes vermelhas para o velho discurso de “choques de gestão”. Portanto, evocando ações emergenciais. SOS de variadas naturezas, mas de um único sistema de ideias: a de entregar o que é de todos ao usufruto de uns.

E assim, há 30 anos, a maior política social do país: o Sistema Único de Saúde (SUS), não é implantado verdadeiramente no DF. Descumprem o dever do Estado no atendimento das necessidades e direitos humanos básicos segundo o artigo 6º da Constituição Federal, que trata dos Direitos Sociais (CF, 1988). E aqui não cabe falácia, pois a presença do setor privado deve ser em caráter complementar, por contrato ou convênio com terceiros, desde que comprovada a insuficiência dos serviços pelos entes públicos responsáveis pela saúde (art. 24 da Lei 8.080/90).

O Estado deve garantir o acesso universal aos bens e serviços essenciais à dignidade humana, não garantida pelo mercado. E quando necessária a presença do mercado, o Estado deve assumir seu papel de regular e proteger a saúde. O que não se aplica ao DF, por apresentar em sua rede assistencial condições humanas, tecnológicas e de infraestrutura para cumprir as obrigações Constitucionais.

Recordemos um episódio de 2008, quando o então governador José Roberto Arruda anunciou que o Hospital Regional de Santa Maria seria administrado por uma Organização Social. Os movimentos sociais e acadêmicos logo questionaram e lutaram de forma combativa contra a privatização do Hospital. De igual maneira, em 2018, fui uma das vozes que mais soaram em defesa do SUS, e contra o modelo de gestão do Hospital de Base.

As palavras do atual governador, em campanha, prometeram fazer o mesmo. No ato de sua posse e durante visitas ao Ministério da Saúde, já mudou de ideia. Palavras aos ele poderá responder àqueles que votaram em confiança às “promessas” assumidas publicamente.

Esperemos que governo compreenda que os complexos desafios à organização das ações e serviços de saúde pública no DF, passam por uma definição clara do modelo de atenção e gestão à saúde, com base nos valores e princípios orientadores e autênticos do SUS e, por consequência, pelo fortalecimento dos Conselhos Distritais de Saúde, pela descentralização e autonomia da gestão regional, por um projeto de valorização e educação permanente para os trabalhadores, pela priorização da Atenção Básica à Saúde, via consolidação da Estratégia Saúde da Família, focado nos Agentes Comunitários de Saúde. A saúde do DF passa ainda pela capacidade de diálogo e negociações junto aos outros entes federativos à resolução do crônico problema do acesso aos serviços de saúde pela população da região do entorno.

Outrossim, vale destacar o cuidado com a preciosa Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), tão esquecida nos debates políticos à governadoria do Distrito Federal, com exceção, é claro, do programa que apresentei a sociedade da nossa cidade da esperança.

Portanto, tamanhos desafios não podem se limitar a mutirão de cirurgias eletivas, ainda que sejam necessárias. Aliás, essas e outras demandas reprimidas são frutos e consequências de décadas de descasos ao SUS no DF. Diante dos fatos, cabe-nos questionar: será que, mais uma vez, veremos a desresponsabilização do Estado para com a integração das políticas públicas que tenham por finalidade superar as desigualdades sociais e seus determinantes? Só o tempo dirá. Mas é preciso acariciá-lo.

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